CAVALLO, Guglielmo e CHARTIER, Roger (Orgs.). História da leitura no mundo ocidental. São Paulo: Ática,1998. v. 1, capítulos 3 e 5.
Na alta idade média o leitor dispunha de um conjunto de preceitos gramaticais, herdado da antiguidade, cuja função principal era facilitar o processo de leitura do que promover o interesse pela própria leitura. Esse enfoque reducionista da língua irá permanecer durante muito tempo, em decorrência da crença de que o homem deveria preocupar-se somente com a linguagem divina, e que a existência das diferentes línguas era uma consequência inevitável oriunda da Torre de Babel.
Professores e escritores cristãos haviam aplicado essa tradição de conhecimento gramatical na interpretação das escrituras, e por isso estavam associadas à educação religiosa e a instrução literária. Nesta época todos os cristãos que soubessem ler eram exortados a fazê-lo e " a todos que aspirem assumir o título de monje não mais será possível tolerar que continuem ignorantes em leitura" . A razão de ser da leitura era a salvação da alma. O livro dos Salmos passou a ser a cartilha para ensinar a ler e a escrever. Para outros havia a vida dos santos, ou um novo programa de textos que levava aos Libros Catholicos, obras de teologia que ajudavam o leitor a formular a correta interpretação da palavra divina.
O estudo da gramática servia também para aperfeiçoar o conhecimento da cultura latina.
Da Cultura Oral a Leitura Silenciosa
Na antiguidade a ênfase recaía sobra a declamação do texto, uma leitura oral, preocupada em reproduzir o sentido e o ritmo da escrita, escolha esta que refletia os ideais de orador, dominantes na cultura antiga. Na alta idade média, a antiga arte da leitura em voz alta era exercida apenas na liturgia. O principiante tinha de ler em voz alta para permitir que o professor verificasse seus progressos. Entretanto, a partir do século V observamos maior interesse pela leitura silenciosa. Nas regras de São Bento, encontram-se referências a leituras individuais e a necessidade de se ler para sí mesmo, de uma leitura muda de modo a não incomodar os outros. Isidoro de Sevilha pessoalmente preferia a leitura silenciosa a qual assegurava a melhor compreensão do texto, visto que, segundo ele, o entendimento do leitor torna-se mais completo, quando se está em silêncio.
Copistas inglêses e irlandeses, começaram a desenvolver novas convenções gráficas com o objetivo de facilitar o acesso dos leitores aos textos. Essas convenções modificaram a disposição do texto na página. Estes copistas abandonaram a escrita contínua e adotaram a utilização dos espaços em branco entre as partes da oração, bem como introduziram novas marcas como a letra mais visível no início do texto.
A Idade Média: da escrita monástica à leitura escolástica.
O século XII caracterizou-se no norte da Europa, como um século de consolidação da escrita em linguagens separadas. Nesse período houve a introdução de espaços visando diminuir a necessidade de ser ler em voz alta para compreender o texto.
Nessa mesma época ocorreu ainda a mudança das convenções sobre a ordem das palavras e sobre o reagrupamento das palavras gramaticalmente ligadas. A partir de então, já era possível reconhecer a oração, a frase e o parágrafo.
Outra grande transformação que ocorreu na Europa na alta idade média, foi a passagem da leitura em voz alta para a leitura silenciosa e murmurada.
Os monjes cirtescences acreditavam que o coração era a sede da mente, e viam a leitura como principal instrumento para tocar os " sentimentos do coração" . A leitura silenciosa era pré requisito para a meditação.
Hugues De Saint-Victor, considerava a interação visual entre o leitor e o livro, parte integrante do estudo em sua obra intitulada DidasCalion, propõe três formas de leitura: ler para outra pessoa, escutar alguém que lê e a leitura individual e silenciosa.
O leitor da fase final da idade média fazia uso da memória para reter o sentido geral das orações, frases e do parágrafo, e não mais para reter uma série ambígua de sons.
No ocidente latino, a leitura que no mundo antigo era realizada entre jardins e arcadas, foi substituída pela prática da leitura concentrada no interior das igrejas, de celas, dos claustros, das escolas religiosas etc.
No final do século XIII a biblioteca contava com claustros espaçosos e cubículos para o estudo, garantindo a convivência das práticas de leitura em voz alta e da leitura silenciosa.
No plano político, o problema colocado pela prática da leitura configura-se, tanto para os judeus como para os cristãos, na percepção de um dever, por parte das elites atuantes ou pelo menos que aspiravam ao exercício da autoridade e do poder.
Parece que durante toda a alta idade média, ocorre entre os judeus do ocidente cristão um fenômeno de socialização do livro semelhante ao que se observa dentro da sociedade cristã da época. Também entre os judeus o livro é compreendido mais como um objeto mágico-religioso do eu co-instrumento de comunicação pela leitura como relíquia destinada à devota adoração contemplativa mais em função de sua carga de sobrenatural do que como reservatório de conteúdos a serem atingidos livremente.
A alta idade média é uma época em que exatamente como acontece entre os não-judeus, o exercício da autoridade é concebido em termos de sacralidade, associada à legítima interpretação dos textos tradicionais e, por conseguinte, à imposição de normas que dela derivam.
O século XX apresenta uma nova invenção, ou seja, a escrita eletrônica. A diferença entre o livro impresso e o eletrônico é que neste pode surgir um texto novo constituído de numerosos fragmentos.
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