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Esta iniciativa consite em ações que possibilitem momentos de reflexão e construção pedagogica, abrangendo ainda propostas significativas para a prática cotidiana do educadores. De acordo com o contexto escolar e vivências as ideias e sugestões podem ser adequadas as necessidades reais nas expectativas de educadores e educandos

18 de mai. de 2013

A construção democrática da Proposta Pedagógica na escola

Fernando S.Mota* 


"A esperança não é para amanhã. A esperança é este instante. Precisa-se dar outro nome a certo tipo de esperança, porque esta palavra significa sobretudo espera. E a esperança é já."

Clarice Lispector


Neste texto, pretendemos abordar a questão da construção da Proposta Pedagógica numa visão de construção democrática. Para tanto, escolhemos este pensamento de Clarice Lispector, no sentido de dar a verdadeira dimensão que pretendemos ao assunto: a dimensão de esperança e ao mesmo tempo de imediatismo necessário.

Esperança de que a questão das propostas pedagógicas possa verdadeiramente ser assumida pelas equipes de nossas escolas e imediatismo necessário no sentido de que possam essas equipes assumir seus papéis de forma plena, comprometida e imediata.

Para abordar este tema se faz necessário um detalhamento inicial de pontos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei Darcy Ribeiro - nº 9.394/96 e das Diretrizes Curriculares Nacionais.

É importante destacar o artº 3º, que enfatiza os princípios norteadores do ensino no Brasil:

Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

( ... )

II - Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;

III - Pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;

IV - Respeito à liberdade e apreço à tolerância.

Consideramos importante que todos tenham a real dimensão do que isso significa, pois sem assumirmos compromissos com estes princípios, teremos certamente dificuldades em mudar concepções que remetem para uma nova postura em relação à Proposta Pedagógica.

Ainda reportando ao texto legal, base da educação brasileira, Lei 9.394/96, chegamos aos Artigos 13 e 14. O primeiro diz claramente em seu inciso I: "Os docentes incumbir-se-ão de participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino" e o segundo: "Os Sistemas de ensino definirão(...): Inciso I: "Participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola".

As Diretrizes Curriculares Nacionais estabelecem que as propostas pedagógicas devem respeitar os seguintes fundamentos norteadores (em todos os níveis):


Princípios éticos da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum;


Princípios políticos dos direitos e deveres de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática;


Princípios estéticos da sensibilidade, da criticidade, da ludicidade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental enfatizam, inclusive, que "ao definir suas propostas pedagógicas, as escolas deverão explicitar o reconhecimento da identidade pessoal de alunos, professores e outros profissionais e a identidade de cada unidade escolar e de seus respectivos sistemas de ensino". Na Educação Infantil vemos uma pequena variação nas DCN: "explicitar o reconhecimento da importância da identidade pessoal de alunos, suas famílias, professores e outros profissionais e a identidade de cada unidade educacional no contexto de suas organizações" e no Ensino Médio as DCN dizem: "as propostas pedagógicas das escolas e os currículos constantes dessas propostas incluirão competências básicas, conteúdos e formas de tratamento dos conteúdos, previstas pelas finalidades do Ensino Médio".

Como vemos, a nova lei e as novas diretrizes apontam os caminhos necessários à garantia do envolvimento dos professores na formulação das propostas pedagógicas dos estabelecimentos de ensino em todos os níveis da educação básica (Infantil - Fundamental - Médio) e Educação Superior e estabelecem, ao mesmo tempo, novos paradigmas a serem incorporados nesta ação. No entanto, ainda temos encontrado muitos obstáculos para a concretização desse ideal.

Acreditamos que é chegada a hora de assumirmos plenamente o nosso papel. Miguel Arroyo, em Prática Pedagógica e Currículo - Anais do VII ENDIPE, Florianópolis, 1996, pág.167/168, nos diz: "Primeiro ponto que pretendo destacar é que não elaboramos um projeto de cima para baixo. Partimos da prática pedagógica das escolas, passamos mais de meio ano mapeando as práticas significativas e descobrimos que há, na escola pública, uma prática transgressora, extremamente inovadora; (...) somos tímidos na flexibilização da escola. Não é suficiente pendurar flores nas grades curriculares como estamos fazendo, muitas vezes, com nossas reformas.Não adiantarão novos parâmetros se os currículos continuarem gradeados. A escola que temos é uma escola onde não fazemos o que somos capazes de fazer, onde a iniciativa pedagógica do profissional se sente entre grades."

Arroyo nos convida a desgradear não só os currículos, mas também, nossas mentes. Ele nos convida a ousar, a inovar na formulação de nossas práticas pedagógicas. É um convite e ao mesmo tempo um desafio.

Quem nos permite ousar?

Quem nos possibilita inovar ?

Não há possibilidade de construção coletiva de proposta, sem que todos os atores do processo estejam assumindo papéis de construtores dentro das novas concepções da educação neste século XXI.

A UNESCO apresentou, através do Relatório Jacques Delors, em 1996, os quatro pilares fundamentais que deveriam nortear a educação neste século XXI. São eles:

-Aprender a aprender;

-Aprender a fazer;

-Aprender a conviver juntos;

-Aprender a ser.


Nossa legislação educacional incorporou todos esses quatro pilares.

Com base nestes pilares e devido à realidade da nova legislação educacional, podemos durante estes últimos dois anos vivenciar algumas práticas extremamente interessantes e marcantes e que mobilizaram centenas de professores e funcionários na formulação de propostas pedagógicas coletivas.

Vivemos a construção de algo verdadeiramente significativo junto a duas comunidades bem distintas entre si: a primeira em Imperatriz do Maranhão e a segunda nas cidades de Taguatinga, Ceilândia e Gama, em Brasília -DF.

Na comunidade Capuchinha de Imperatriz - Maranhão, uma escola religiosa - Escola Santa Terezinha -, que atenda a todos os segmentos da educação básica, foi possível vivenciar uma relação profunda com profissionais sensíveis, criativos e que canalizaram suas energias para a elaboração de uma proposta pedagógica factível com suas realidades, no entanto não menos criativa e sonhadora.

Na outra experiência significativa como consultor externo foi possível vivenciar a construção da Proposta Pedagógica das Unidades do SESI- Serviço Social da Indústria - DF. Três unidades de educação básica (Educação Infantil e Ensino Fundamental) assumiram ousadamente uma profunda ruptura nas concepções de formulação de ações.

"Conhecer fatias do mundo não é conhecer o mundo."

Jurjo Torres Santomé

Com este pensamento do educador espanhol Jurjo Santomé, apresento a teoria do currículo integrado, que foi desenvolvido com sucesso na proposta das Unidades SESI-DF. Nossa experiência junto à equipe das Unidades do SESI-DF sustentou toda uma dinâmica de envolvimento coletivo na discussão e formulação de um novo desenho de gestão participativa:

- Novo desenho de matriz curricular e de currículo integrado, através de práticas pedagógicas construtivas;

- Nova forma de oferecimento do Ensino Fundamental em ciclos de estudos de três anos;

- Nova visão avaliativa com registros de periodicidade trimestral e incorporando novas concepções;

- Uma convivência harmoniosa construída coletivamente com a participação de alunos, professores, equipe pedagógica,
auxiliares e pais, através dos "contratos de convivência".


Acreditamos que os caminhos trilhados tanto pela Escola Santa Terezinha - Imperatriz, quanto pelas Unidades do SESI-DF foram significativos e com certeza não foram os únicos. Tantos outros exemplos teríamos a registrar, que foram concretizados e apontam para dias melhores na ação educativa de seus construtores.

Perrenoud em seu livro 10 Novas Competências para Ensinar (Artmed, 2000, pág. 20) enfatiza os domínios de competências reconhecidas como prioritárias na formação contínua dos professores do Ensino Fundamental ( e de outros níveis):

1) Trabalhar em Equipe: elaborar um projeto de equipe, representações comuns;

2) Participar da administração da escola: elaborar, negociar um projeto da instituição;

3) Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão: participar da criação de regras de vida comum, referentes à disciplina na escola, às sanções e à apreciação da conduta (Contratos de Convivência).


Acreditamos que estas sejam concepções que precisam ser assumidas pelos professores, para que os mesmos possam mergulhar de forma concreta na ação de construção de propostas verdadeiramente democráticas.

Pierre Weil, em A arte de viver em paz (Unesco, 1990) concretamente nos diz que "a humanidade atingiu o limiar de uma nova era e vive, agora, uma espécie de dor de crescimento(...). Acumulamos conhecimentos em quantidade. Mas, sem sabedoria para usá-los podemos destruir-nos e ao mundo que habitamos. Felizmente, uma nova consciência está se estabelecendo no espírito de grande parte das pessoas. Ela inspira outra maneira de ver as coisas em ciência, filosofia, arte e religião. Trata-se de um momento de síntese, integração e globalização. Nesta fase, a humanidade é chamada a colar as partes que ela mesma separou nos cinco séculos em que se submeteu à ditadura da razão."

A esperança é já!

Que possamos assumir essa esperança de concretizar esse sonho de construção coletiva.

Que possamos entender que uma proposta elaborada a partir de experiências, realidades e contribuições de diversos profissionais pode representar conquistas.

Que possamos transformar nossas escolas em espaços de práticas democráticas e de convivência harmoniosa.

Sabemos das dificuldades, no entanto. Apostamos nelas para atingir o sucesso.

Apresentamos aqui uma sugestão de roteiro para a execução de ações coletivas da construção da Proposta Pedagógica:

I) Identificação da Instituição - Marco Referencial

Tipo de clientela - diagnóstico escolar;

Tipo de estabelecimento com a identificação de linhas filosóficas e metodológicas;

Localização - que tipo de espaço dispomos para a ação educacional?

II) Planejamento Curricular

Matriz Curricular e o tempo/espaço para as ações

Regime de funcionamento

Objetivos - proposta para cada curso oferecido

Atividades propostas para cada nível de escolaridade, com outros níveis e extra-classe

Utilização dos espaços

Ações externas

Interdisciplinaridade/Multidisciplinaridade/transdisciplinaridade

Progressão Continuada

Estudo de apoio

III) Sistema de Progressão e Avaliação - com coragem para mudar

Instrumentos avaliativos

Auto-avaliação

Avaliação Institucional

IV) Sistema de Organização Disciplinar

Voz e vez aos alunos

Conquistas - Compromissos e conseqüências

Contratos de Convivência. Representação Estudantil

V) Calendário Escolar

Reuniões/ atividades especiais / eventos

Dias letivos

Formação Continuada

Apoio/ recuperação

Recesso/ Férias

Conclusão:


Mudar concepções, quebrar paradigmas, assumir papéis dentro dos novos princípios da educação, ter postura ética e cidadã são algumas das questões postas aqui para possibilitar sua reflexão. Estou certo de que este caminho será significativo para a formação de uma nova mentalidade da gestão e ação na escola brasileira.


Vamos à construção?

Referências Bibliográficas:

Arroyo, Miguel. Prática Pedagógica e currículo - Simpósio do VIII ENDIPE. Florianópolis, INEP,1996.

Mota, Fernando e De Luca, Marly. Os Caminhos e Descaminhos de um projeto Pedagógico. Rio de Janeiro, IEDITORA, 2001.

Perrenoud, Philippe. 10 novas competências para ensinar:convite à viagem. Porto Alegre: Artmed, 2000.

Weil, Pierre. A arte de viver em Paz - por uma consciência e educação, Paris, UNESCO, 1990;

Documentos consultados:

Brasil. Ministério da Educação. Lei nº 9.394/96 de 20 de dezembro de 1996. Diretrizes e Bases da Educação- Lei Darcy Ribeiro. Brasília, DOU, 1996.

Diretrizes Curriculares Nacionais:

Educação Infantil - Parecer n. 22/98 e Resolução n. 1/99.

Ensino Fundamental - Parecer n. 4/98 e Resolução n. 2/98.

Ensino Médio - Parecer n. 3/98 e Resolução n. 3/98.

Brasil. Ministério da Educação. Plano Nacional de Educação - PNE. Brasília, INEP, 2001.


NOTAS:

* Professor do Ensino Superior, atuando com Gestão da Educação e Legislação do Ensino. Mestrando em Educação Tecnológica no CEFET/RJ. Exerce atualmente a Direção do Ensino Superior do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro - ISERJ.




Fonte: http://www.tvebrasil.com.br/SALTO/boletins2002/eqq/eqqtxt4.htm

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