Segundo Berger e Luckmann (1976, p. 175 apud GOMES, 1992, p. 94), a socialização é definida como a “ampla e consistente introdução de um indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade ou de um setor dela”. Podemos, portanto, concluir que a socialização é a construção, no indivíduo, de ferramentas e características necessárias à sua sobrevivência em sociedade e a uma vivência construtiva, colaborativa e contributiva para o meio que o cerca. É torná-lo apto a atender às exigências impostas pelo meio, sejam elas de ordem moral, profissional, pessoal, possibilitando sua inserção na sociedade.
Existem dois tipos de socialização: a primária, vivenciada na infância, e de responsabilidade especial da família, na qual a criança aprenderá atitudes básicas, como linguagem, locomoção, autonomia alimentar, controle dos esfíncteres, entre outras; e a secundária, que pode ser compreendida como “qualquer processo subsequente que introduz o indivíduo já socializado em novos setores do mundo objetivo de sua sociedade” (BERGER; LUCKMANN 1976, p. 175 apud GOMES, 1992, p. 94). A socialização secundária acontece ao longo da vida, diversas vezes, em vários momentos, e seus principais agentes são a escola e demais instituições relacionadas ao trabalho. Ou seja, ao longo de sua vida, o indivíduo necessitará socializar-se diversas vezes: terá de adaptar-se ao meio, e isso inclui o cumprimento de regras e exigências escolares; das demandas e responsabilidades próprias do trabalho; das condutas de um grupo religioso, caso escolha participar de algum; etc.
Ao contrário do que se pensa, essas aprendizagens não ocorrem de forma espontânea e livre. O processo de socialização leva a criança a se deparar com os valores sociais já existentes e expectativas já definidas, aos quais deverá adaptar-se. Entretanto, a criança resiste à socialização, pois sente que seus desejos imediatos são relegados, em detrimento de comportamentos esperados pela sociedade. Essa relação entre a criança e as demandas sociais precisa da mediação de um adulto (pais, professores, etc.).
A reflexão acima nos permite retornar ao tema principal com embasamento sociológico. É papel da escola flexibilizar suas exigências devido ao não cumprimento de tarefas atribuídas ao aluno? Percebemos que cabe à instituição educacional, como agente socializador, ensinar que é papel do aluno adaptar-se às regras. A conivência com a irresponsabilidade seria uma maneira de retardar ou mesmo dificultar o processo de socialização, deixando de preparar a criança para a vida em sociedade.
Ao permitir que, por pressão familiar, o aluno deixe de cumprir requisitos ou prazos sem uma justificativa realmente plausível, a escola está ensinando ao aluno que:
1. Não é necessário cumprir suas responsabilidades. Se essa premissa já é particularmente prejudicial à formação do caráter, em casos de escolas particulares a situação torna-se ainda mais grave, pois a criança aprende, ainda de maneira velada, que o dinheiro a isenta de cumprir suas obrigações. “Meu pai paga a escola, então eles têm que fazer o que ele pede”.
2. O mundo deve se adaptar a ele, e não ele à sociedade. Essa atitude retarda a maturação emocional da criança e abre as portas à formação de um indivíduo egocêntrico, que pensa que os outros é que devem atender às suas expectativas.
3. Não é necessário abdicar de desejos por responsabilidade. A vida é cheia de obrigações e, para cumpri-las, precisamos muitas vezes abdicar de nossos desejos imediatos. É muito bom permanecer na cama em uma manhã de inverno, mas precisamos abdicar desse desejo para realizar nossas atividades profissionais. Essa noção começa quando a criança precisa desligar o videogame ou a TV para fazer suas tarefas. Esse é um processo necessário, que não deve ser negligenciado.
4. Não há consequências para a irresponsabilidade. Na vida real há uma série de consequências para atitudes irresponsáveis: demissão por não cumprir as tarefas propostas ou não atingir metas, multas e sanções para os que dirigem sem considerar as leis de trânsito, contágio por doenças ou gravidez indesejada por conduta sexualmente descuidada. Privar a criança das sanções cabíveis por sua irresponsabilidade é impedir que ela desenvolva a capacidade de relacionar causa e efeito e, portanto, a maturidade necessária à vida adulta em um contexto social.
Os resultados dessas “aprendizagens” são, obviamente, perniciosos à formação do caráter do indivíduo, à sua posterior vida profissional, bem como à sua atuação em sociedade. Percebe-se, portanto, que a escola, como agente socializador, precisa manter seus padrões, promovendo, em situações de conflito, o esclarecimento das famílias sobre esse importante fator.
Referência bibliográfica
BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 1976.
GOMES, Jerusa Vieira. Família e socialização. Psicologia USP, São Paulo, v. 3, n. 1-2, p. 93-105, 1992. ISSN 1678-5177. Disponível em: <http://www.revistasusp.sibi.usp.br/pdf/psicousp/v3n1-2/a10v3n12.pdf >. Acesso em: 26 maio 2011.